Tuesday 16 February 2021

 

 

Breve Reflexão sobre a Economia da Atenção

               A eclosão da pandemia por Covid-19 contribuiu para aprofundar a virtualização da actividade humana. O recurso a aparelhos e dispositivos interconectados tornou-se mais frequente. A sua utilização permitiu a satisfação de necessidades vitais, materiais e de cariz individual, bem como afectivas e de índole colectiva. O acesso a alimentação foi simplificado, diversas actividades laborais passaram a realizar-se remotamente, parte significativa da comunicação descorporalizou-se, para além de se ter digitalizado a fruição de bens culturais. Cresceu, assim, a exposição a uma quantidade abundante de informação que Michael H. Goldhaber (1997) considera fluir no sentido oposto ao da atenção humana. Por conseguinte, a atenção humana é, cada vez mais, direccionada para os ecrãs destes aparelhos e dispositivos, transformando-se num alvo a captar. Neste contexto, desenvolve-se um modo de produção capitalista (Celis, 2015), que Herbert A. Simon (1969) designa por “economia da atenção”.

               A noção de economia da atenção assenta na ideia de que, perante a abundância de informação e conhecimento, a atenção humana é escassa, logo, deve ser alocada de forma eficiente, entre as múltiplas fontes de que o indivíduo dispõe. De acordo com tal concepção, aumenta a relevância deste recurso, escasso e por consequência valioso, no processo de valorização do capital. Surgem, então, perspectivas críticas, que salientam a iniquidade dos impactos para o emissor e o receptor de informação (Festré e Garrouste, 2015). Neste âmbito, sugere-se que prestar atenção se transformou numa nova forma de trabalho (Jhally e Livant, 1986), a qual gera uma mais-valia de que o emissor se apropria, por se tratar de uma fonte de conhecimento sobre as preferências, os interesses e os hábitos dos indivíduos. Estabelece-se, assim, uma relação de poder assimétrica entre trabalho e capital (Celis, 2015), na medida em que a acumulação do último se alicerça na inexistência de remuneração do primeiro. Desta feita, torna-se necessário analisar os conflitos de poder e de conhecimento daí decorrentes (Vercellone, 2007), até porque se observa uma superior abrangência do controlo do capital sobre a vida humana (Marazzi, 2008). As fronteiras entre o tempo de trabalho e o tempo de lazer e entre o espaço de trabalho e o espaço de lazer diluem-se, sendo, inclusivamente, o receptor alienado da sua própria visão (Beller, 2006).

Já em 1938 Harold Hotelling aludiu à quantidade limitada da atenção humana, para a qual a procura excede a oferta. Nesse artigo, chega mesmo a equiparar a comercialização da “atenção que é expropriada ao público em geral” à acção dos barões usurpadores medievais. Tal comercialização, quando subordinada às regras da procura e da oferta, instiga a competição. Fruto do progresso tecnológico, o espectro da competição hodierna é mais amplo do que Harold Hotelling e Herbert A. Simon consideraram. O receptor é, simultaneamente, criador de informação, cabendo ao detentor da plataforma a apropriação da mais-valia. Estas plataformas transformam-se em espaços de reprodução do individualismo, nos quais os egos concorrem em torno da atenção. Byung-Chul Han (2018) refere-se aos indivíduos como montras que entram em disputa, num modo de produção centrado no eu e cada vez mais distante do outro. No seu entendimento, tanto a ética como a poética da atenção são suprimidas pela economia da atenção.

Perante um contexto de progressiva virtualização, cresce a pertinência do debate sobre eventuais políticas públicas que permitam reduzir a assimetria da relação de poder estabelecida. Harold Hotelling (1938), por exemplo, propunha restituir a atenção aos seus legítimos proprietários através da fiscalidade. A promoção de tal debate não exclui a assumpção de acções mais imediatas. Face a circunstâncias tão traumáticas, torna-se fundamental recuperar a ética da atenção e a ética da escuta, que Byung-Chul Han (2018) menciona. Porque, tal como entaltece, “a comunidade é o conjunto de ouvintes”, não existe sem escuta. E neste período nefasto, urge reforçar a coesão social.

João Moreira de Campos

Bibliografia:

1.      Beller, J. (2006), The Cinematic Mode of Production: Attention Economy and the Society of the Spectacle. New Hampshire: University Press of New England.

2.      Celis, C. (2015), Towards an Immanent Critique of the Attention Economy: Labour, Time, and Power in Post-Fordist Capitalism (Doctoral dissertation, Cardiff University).

3.      Festré, A. & Garrouste, P. (2015), “The ‘Economics of Attention’: A History of Economic Thought Perspective.” Œconomia. History, Methodology, Philosophy, 5(1), pp. 3-36.

4.      Goldhaber, M. H. (1997), “The Attention Economy and the Net.” First Monday [Online] 2.4. Disponível em: http://firstmonday.org/ojs/index.php/fm/article/view/519/440.

5.      Han, B. C. (2018), The Expulsion of the Other: Society, Perception and Communication Today. Polity Press.

6.      Hotelling, H. (1938), “The General Welfare in Relation to Problems of Taxation and of Railway and Utility Rates”. Econometrica: Journal of the Econometric Society, 6(3), pp. 242-269;

7.      Jhally, S. & Livant, B. (1986), “Watching as Working: The Valorization of Audience Consciousness.” Journal of Communication, 36(3), pp. 124-143.

8.      Marazzi, C. (2008), Capital and Language: From the New Economy to the War Economy. Los Angeles: Semiotext(e).

9.      Simon, H. A. (1969), Designing Organizations for an Information-Rich World. [Online]. Disponível em: http://zeus.zeit.de/2007/39/simon.pdf.

10.   Vercellone, C. (2007), “From Formal Subsumption to General Intellect: Elements for a Marxist Reading of the Thesis of Cognitive Capitalism.” Historical Materialism, 15(1), pp. 13-36.

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