Breve Reflexão
sobre a Economia da Atenção
A eclosão da pandemia por Covid-19
contribuiu para aprofundar a virtualização da actividade humana. O recurso a
aparelhos e dispositivos interconectados tornou-se mais frequente. A sua
utilização permitiu a satisfação de necessidades vitais, materiais e de cariz
individual, bem como afectivas e de índole colectiva. O acesso a alimentação
foi simplificado, diversas actividades laborais passaram a realizar-se
remotamente, parte significativa da comunicação descorporalizou-se, para além
de se ter digitalizado a fruição de bens culturais. Cresceu, assim, a exposição
a uma quantidade abundante de informação que Michael H. Goldhaber (1997)
considera fluir no sentido oposto ao da atenção humana. Por conseguinte, a
atenção humana é, cada vez mais, direccionada para os ecrãs destes aparelhos e
dispositivos, transformando-se num alvo a captar. Neste contexto, desenvolve-se
um modo de produção capitalista (Celis, 2015), que Herbert A. Simon (1969)
designa por “economia da atenção”.
A noção de economia da atenção assenta na ideia de
que, perante a abundância de informação e conhecimento, a atenção humana é
escassa, logo, deve ser alocada de forma eficiente, entre as múltiplas fontes
de que o indivíduo dispõe. De acordo com tal concepção, aumenta a relevância
deste recurso, escasso e por consequência valioso, no processo de valorização
do capital. Surgem, então, perspectivas críticas, que salientam a iniquidade
dos impactos para o emissor e o receptor de informação (Festré e Garrouste,
2015). Neste âmbito, sugere-se que prestar atenção se transformou numa nova
forma de trabalho (Jhally e Livant, 1986), a qual gera uma mais-valia de que o
emissor se apropria, por se tratar de uma fonte de conhecimento sobre as
preferências, os interesses e os hábitos dos indivíduos. Estabelece-se, assim,
uma relação de poder assimétrica entre trabalho e capital (Celis, 2015), na
medida em que a acumulação do último se alicerça na inexistência de remuneração
do primeiro. Desta feita, torna-se necessário analisar os conflitos de poder e
de conhecimento daí decorrentes (Vercellone, 2007), até porque se observa uma
superior abrangência do controlo do capital sobre a vida humana (Marazzi,
2008). As fronteiras entre o tempo de trabalho e o tempo de lazer e entre o
espaço de trabalho e o espaço de lazer diluem-se, sendo, inclusivamente, o
receptor alienado da sua própria visão (Beller, 2006).
Já em
1938 Harold Hotelling aludiu à quantidade limitada da atenção humana, para a
qual a procura excede a oferta. Nesse artigo, chega mesmo a equiparar a comercialização
da “atenção que é expropriada ao público em geral” à acção dos barões
usurpadores medievais. Tal comercialização, quando subordinada às regras da
procura e da oferta, instiga a competição. Fruto do progresso tecnológico, o
espectro da competição hodierna é mais amplo do que Harold Hotelling e Herbert
A. Simon consideraram. O receptor é, simultaneamente, criador de informação,
cabendo ao detentor da plataforma a apropriação da mais-valia. Estas
plataformas transformam-se em espaços de reprodução do individualismo, nos
quais os egos concorrem em torno da atenção. Byung-Chul Han (2018) refere-se
aos indivíduos como montras que entram em disputa, num modo de produção
centrado no eu e cada vez mais distante
do outro. No seu entendimento, tanto
a ética como a poética da atenção são suprimidas pela economia da atenção.
Perante
um contexto de progressiva virtualização, cresce a pertinência do debate sobre
eventuais políticas públicas que permitam reduzir a assimetria da relação de
poder estabelecida. Harold Hotelling (1938), por exemplo, propunha restituir a
atenção aos seus legítimos proprietários através da fiscalidade. A promoção de
tal debate não exclui a assumpção de acções mais imediatas. Face a
circunstâncias tão traumáticas, torna-se fundamental recuperar a ética da
atenção e a ética da escuta, que Byung-Chul Han (2018) menciona. Porque, tal
como entaltece, “a comunidade é o conjunto de ouvintes”, não existe sem escuta.
E neste período nefasto, urge reforçar a coesão social.
João Moreira de Campos
Bibliografia:
1.
Beller,
J. (2006), The Cinematic Mode of
Production: Attention Economy and the Society of the Spectacle. New
Hampshire: University Press of New England.
2.
Celis,
C. (2015), Towards an Immanent Critique
of the Attention Economy: Labour, Time, and Power in Post-Fordist Capitalism
(Doctoral dissertation, Cardiff University).
3.
Festré,
A. & Garrouste, P. (2015), “The ‘Economics of Attention’: A History of Economic
Thought Perspective.” Œconomia. History,
Methodology, Philosophy, 5(1), pp. 3-36.
4.
Goldhaber,
M. H. (1997), “The Attention Economy and the Net.” First Monday [Online] 2.4. Disponível em:
http://firstmonday.org/ojs/index.php/fm/article/view/519/440.
5.
Han,
B. C. (2018), The Expulsion of the Other:
Society, Perception and Communication Today. Polity Press.
6.
Hotelling,
H. (1938), “The General Welfare in Relation to Problems of Taxation and of Railway
and Utility Rates”. Econometrica: Journal
of the Econometric Society, 6(3), pp. 242-269;
7.
Jhally,
S. & Livant, B. (1986), “Watching as Working: The Valorization of Audience Consciousness.”
Journal of Communication, 36(3), pp.
124-143.
8.
Marazzi,
C. (2008), Capital and Language: From the
New Economy to the War Economy. Los Angeles: Semiotext(e).
9.
Simon,
H. A. (1969), Designing Organizations for
an Information-Rich World. [Online]. Disponível em:
http://zeus.zeit.de/2007/39/simon.pdf.
10.
Vercellone,
C. (2007), “From Formal Subsumption to General Intellect: Elements for a
Marxist Reading of the Thesis of Cognitive Capitalism.” Historical Materialism, 15(1), pp. 13-36.
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