Henry Thoreau e a
vida no bosque
Renovando o olhar sobre a
natureza, Henry Thoreau inaugura uma tradição filosófica americana que
privilegia a experiência sobre os conceitos. Defendeu uma forma de sobriedade
subversiva no país do capitalismo triunfante, e continua a ser uma referência
importante para muitos homens e mulheres comprometidos com a causa do ambiente.
Thoreau
leu Homero e reteve do poeta antigo o significado do cosmos, essa ideia de uma
ordem do universo do qual todos fazemos parte. Evocando o voo de um
mosquito, afirmava que “era o requiem de Homero; uma Ilíada, uma Odisseia
no ar […]. Havia algo cósmico; um anúncio, sempre verdadeiro de que a
terra é eternamente fértil e forte "(Walden ou a Vida nos Bosques, Lisboa,
Ed. Antígona, 1999). Para o Epicurismo ou para o Estoicismo,
filosofar só fazia sentido se fosse acompanhado de uma conversão espiritual e
existencial. Thoreau, apesar de quase não citar estas duas escolas de
pensamento, é nutrido pela sua leitura . Como Pierre Hadot sublinha no
seu livro Exercícios Espirituais: “Thoreau queria entrar num certo
modo de vida filosófico que incluía trabalho manual e pobreza (…).”
Ao
lermos a obra de Thoreau e nomeadamente Walden ou a Vida nos Bosques
percebemos que a solidão pode ser política e que o mundo natural nos oferece razões
para vivermos e vivermos bem, desde que sejamos capazes de o olhar com demorada
atenção e com um sentido de gratidão. Mas o percurso de Thoreau é muito sui
generis e tal como sentiu vontade de se refugiar no bosque, também sentiu
vontade de voltar à vida da cidade.
Há
uma passagem no final de Walden ou a Vida nos Bosques que é muito
sugestiva: “Deixei os bosques por uma razão tão boa como aquela que para lá me
levou. Talvez por me ter parecido que tinha várias vidas para viver, não
podendo desperdiçar mais tempo com aquela. É impressionante a facilidade com
que insensivelmente caímos numa determinada rotina e estabelecemos para nós um
trilho batido. Ainda não tinha vivido ali uma semana e já os meus pés marcavam
o caminho da minha porta até à beira do lago (…).
Com
a minha experiência aprendi pelo menos isto: se uma pessoa avançar confiadamente
na direcção dos seus sonhos, se se esforçar por viver a vida que imaginou,
há-de deparar com um êxito inesperado nas horas rotineiras. Há-de deixar para
trás uma porção de coisas e atravessar uma fronteira invisível; leis novas, universais
e mais abertas começaram por se estabelecer em redor e dentro dela; ou então as
leis velhas hão-de ser expandidas e interpretadas a seu favor num sentido mais
liberal, e ela há-de viver com a aquiescência de uma ordem superior de seres. À
medida que ela simplificar a sua vida, as leis do universo hão-de parecer-lhe
menos complexas, a solidão deixará de ser solidão, a pobreza deixará de ser
pobreza, a fraqueza deixará de ser fraqueza.”
Thoreau
deixou o seu eremitério quando percebeu que se estava a repetir, que os seus
passos, mas também o seu espírito, seguiam os mesmos caminhos. Deixou a
floresta depois de dois
anos - quando percebeu que não tinha mais nada para aprender. Não acredito
que seja realmente possível uma metamorfose da nossa vida, por decisão ou por
aplicação de grandes doses de filosofia. Mas alguns autores raros dão
sinais de uma mudança espiritual, parecendo ter ultrapassado um certo
limiar. Foi, certamente o caso de Spinoza, que evoca no início do Tratado
da Reforma do Entendimento a sua resolução de encontrar “felicidade
eterna e suprema," mas também de Ralph Waldo Emerson, que procurava
a " alegria de um relacionamento original com o universo. " Esta
foi também a grande conquista de Thoreau. Como sabemos isso? Pelo seu
livro. Não é o exercício de uma racionalidade argumentativa depurada ou
intelectualizada. Em cada página, sentimos que vem de outro lugar, de
um território que Thoreau descobriu e onde nos convida a entrar.
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