Thursday, 21 May 2020


Henry Thoreau e a vida no bosque




Renovando o olhar sobre a natureza, Henry Thoreau inaugura uma tradição filosófica americana que privilegia a experiência sobre os conceitos. Defendeu uma forma de sobriedade subversiva no país do capitalismo triunfante, e continua a ser uma referência importante para muitos homens e mulheres comprometidos com a causa do ambiente. 
Thoreau leu Homero e reteve do poeta antigo o significado do cosmos, essa ideia de uma ordem do universo do qual todos fazemos parte.  Evocando o voo de um mosquito, afirmava que “era o requiem de Homero; uma Ilíada, uma Odisseia no ar […]. Havia algo cósmico; um anúncio, sempre verdadeiro de que a terra é eternamente fértil e forte "(Walden ou a Vida nos Bosques, Lisboa, Ed. Antígona, 1999). Para o Epicurismo ou para o Estoicismo, filosofar só fazia sentido se fosse acompanhado de uma conversão espiritual e existencial. Thoreau, apesar de quase não citar estas duas escolas de pensamento, é nutrido pela sua leitura . Como Pierre Hadot sublinha no seu livro Exercícios Espirituais: “Thoreau queria entrar num certo modo de vida filosófico que incluía trabalho manual e pobreza (…).”
Ao lermos a obra de Thoreau e nomeadamente Walden ou a Vida nos Bosques percebemos que a solidão pode ser política e que o mundo natural nos oferece razões para vivermos e vivermos bem, desde que sejamos capazes de o olhar com demorada atenção e com um sentido de gratidão. Mas o percurso de Thoreau é muito sui generis e tal como sentiu vontade de se refugiar no bosque, também sentiu vontade de voltar à vida da cidade.
Há uma passagem no final de Walden ou a Vida nos Bosques que é muito sugestiva: “Deixei os bosques por uma razão tão boa como aquela que para lá me levou. Talvez por me ter parecido que tinha várias vidas para viver, não podendo desperdiçar mais tempo com aquela. É impressionante a facilidade com que insensivelmente caímos numa determinada rotina e estabelecemos para nós um trilho batido. Ainda não tinha vivido ali uma semana e já os meus pés marcavam o caminho da minha porta até à beira do lago (…).
Com a minha experiência aprendi pelo menos isto: se uma pessoa avançar confiadamente na direcção dos seus sonhos, se se esforçar por viver a vida que imaginou, há-de deparar com um êxito inesperado nas horas rotineiras. Há-de deixar para trás uma porção de coisas e atravessar uma fronteira invisível; leis novas, universais e mais abertas começaram por se estabelecer em redor e dentro dela; ou então as leis velhas hão-de ser expandidas e interpretadas a seu favor num sentido mais liberal, e ela há-de viver com a aquiescência de uma ordem superior de seres. À medida que ela simplificar a sua vida, as leis do universo hão-de parecer-lhe menos complexas, a solidão deixará de ser solidão, a pobreza deixará de ser pobreza, a fraqueza deixará de ser fraqueza.”
Thoreau deixou o seu eremitério quando percebeu que se estava a repetir, que os seus passos, mas também o seu espírito, seguiam os mesmos caminhos. Deixou a floresta depois de dois anos - quando percebeu que não tinha mais nada para aprender. Não acredito que seja realmente possível uma metamorfose da nossa vida, por decisão ou por aplicação de grandes doses de filosofia. Mas alguns autores raros dão sinais de uma mudança espiritual, parecendo ter ultrapassado um certo limiar. Foi, certamente o caso de Spinoza, que evoca no início do Tratado da Reforma do Entendimento a sua resolução de encontrar “felicidade eterna e suprema," mas também de Ralph Waldo Emerson, que procurava a " alegria de um relacionamento original com o universo. " Esta foi também a grande conquista de Thoreau. Como sabemos isso? Pelo seu livro. Não é o exercício de uma racionalidade argumentativa depurada ou intelectualizada. Em cada página, sentimos que vem de outro lugar, de um território que Thoreau descobriu e onde nos convida a entrar.



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