Os Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável e a Encíclica Laudato Si
O apelo do Papa à ‘conversão
ecológica’ converge nalguns pontos com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
(ODS), adotados pelas Nações Unidas. Mas a transformação que o Papa pede é mais
radical. Apoia-se numa visão teológica e política crítica do sistema
tecnocrático neoliberal. Se compararmos a Laudato Si (LS) e os ODS vemos
que têm uma mesma ambição universal. Analisam as ligações entre o clima e o
desenvolvimento e os dois documentos propõem respostas coletivas para os
desafios mundiais que enfrentamos e se dirigem a todos os Estados. São unânimes
em afirmar que não há duas crises separadas, ambiental e social e que as soluções
passam pelo combate à pobreza, pela valorização da dignidade do ser humano e pela
preservação da natureza. É urgente salvarmos a casa comum e para isso é
necessário unir a família humana, num desenvolvimento sustentável e integral.
Os ODS e a LS convergem na
necessidade de alterar padrões de produção e consumo. O tom da LS é mais forte
no que diz respeito ao desperdício e ao crescimento. Há uma convergência no que
diz respeito à reforma das instituições que passa pela reabilitação do político,
no sentido de um multilateralismo. Sublinha-se o papel das instituições
multilaterais, lugar privilegiado da elaboração de consensos políticos mundiais
necessários à ação coletiva. Contudo, a LS vai mais longe e o Papa diz-nos que a
política não deve estar submetida ao económico nem à eficácia tecnocrata e que
a economia política deve orientar-se para o bem comum.
Onde a LS se distancia mais dos ODS
é na questão da good governance. No seio das Nações Unidas há, pelo
menos, dois modos de entender a good governance: um, através da promoção
de maior transparência na gestão da coisa pública e da normalização de práticas
de controlo e luta contra a corrupção; e outro, através da eficácia pensada em
termos burocráticos, conforme à utopia contemporânea que julga ser possível
governar unicamente através de regras. Esta segunda opção é a que vigora. Para
isto aparecem ‘as soluções de mercado’ com um arsenal de ferramentas e métricas
que as autoridades públicas são convidadas a usar para obterem o rótulo de good
governance. Surgem organizações e agências para aplicar estas ferramentas,
avaliarem os impactos e outras ainda para medirem infrações ou punir infratores.
Um mundo governado por exércitos de burocratas está perfeitamente alinhado com
o de uma mercantilização do espaço social e de uma arquitetura global do
capital denunciada pelo Papa como o ‘bezerro de oiro’ que mata.
Ao alertar para o desafio
climático, examinado sob o ângulo de ‘desenvolvimento sustentável’ ou ‘ecologia
humana’, a ODS e a LS destacam a natureza necessariamente inclusiva de qualquer
progresso político. Todavia, onde os documentos se distanciam mais é na questão
da good governance. Os ODS mantêm uma visão focada na questão financeira
do mundo regulado pelas regras burocráticas, bem diferente da perspetiva
teológico-política da LS. A convergência entre a LS e os ODS só pode manter as
suas promessas, desde que estas sejam interpretadas à luz de outra tradição do
direito internacional: a do espírito da Declaração de Filadélfia da Organização
Internacional do Trabalho proclamada em 1944. É essa hermenêutica que inspirou
o preâmbulo da carta: ‘Nós, povos das Nações Unidas’ onde o valor da pessoa é
erigido como a pedra angular das Nações Unidas e em que o conceito fundamental é
o da justiça social, e não o da mobilidade do capital.
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