Wednesday, 15 April 2020



A vida colectiva segundo Aristóteles


A pleonexia tornou-se nas nossas sociedades abastadas um modo de vida, uma meta, um objectivo último, quer pessoal, quer colectivo. As economias vivem obcecadas com o crescimento e cada um de nós vive na procura do “sempre mais”.  Não é o capitalismo moderno o endeusamento sistémico disto mesmo? Os Gregos antigos fizeram a experiência desta desmedida errática do desejo que quer sempre mais e a esta errância desmedida chamaram-lhe pleonexia.
A pleonexia implica uma relação a nós próprios – quero sempre mais do que aquilo que tenho – mas também aos outros – se quero sempre mais, arrisco-me a privar os outros do quinhão que lhes é devido. A pleonexia tem por isso um sentido ético e político. Surge assim a questão democrática e na democracia a pleonexia é uma ameaça à igualdade democrática, porque a desmedida cria sempre assimetrias e desigualdades.
Aristóteles pensava a pleonexia como nociva e vã, na medida em que se queremos sempre mais é porque aquilo que quisemos em primeiro lugar era inconsistente. Aristóteles ficaria muito surpreendido de ver como é que as nossas sociedades de consumo fizeram da pleonexia um modo de vida desejável.
Como desejar o bem, como viver fascinado por aquilo que é bom? A ética aristotélica das virtudes tem uma dimensão ao mesmo tempo pessoal, íntima, e colectiva, política. Aristóteles, no seu livro, Ética a Nicómaco dá-nos uma definição de virtude dizendo que a virtude é uma disposição que tem que ver com as intenções, quer dizer, com os princípios da acção, com aquilo que nos leva a agir: é uma disposição que reside na mediação, na medida, no meio termo. Mas, para Aristóteles não há resposta fora da situação concreta. O que é interessante nesta formulação é que o princípio geral dá lugar às circunstâncias particulares. Toda a acção virtuosa é associada à medida. A acção é sempre uma acção concreta numa situação determinada, pertence ao domínio do singular, uma pessoa concreta que age num momento determinado, numa cidade X e numa determinada circunstância. Aristóteles não nos fornece um catálogo de boas acções que devemos realizar em todas as circunstâncias e de forma uniforme. Para ele, o meio termo deve ser adaptado a cada situação: um atleta deve comer mais do que uma criança ou do que alguém que não tem que despender tanta energia física. A virtude diz respeito aos indivíduos e às circunstâncias. A ética aristotélica abre, deste modo, possibilidades ao discernimento, sem prescrever um catálogo de regras que poderíamos aplicar. Nada em Aristóteles é do tipo prescritivo “apliquem e tornem-se felizes”, não nos dá nenhuma receita sobre a felicidade. Contudo, as virtudes não devem ser apenas compreendidas num sentido individual, mas também colectivo, político. É o caso da amizade, da philia. A philia é o laço social entre duas ou mais pessoas, que existe no interior da família, das associações, dos grupos e de toda a comunidade política. É a noção do campo ético à qual Aristóteles dedica mais páginas e é interessante ver que esta noção vai do mais íntimo e mais pessoal ao mais político, ao mais exterior, ao mais público, passando por níveis intermédios. É por isso que podemos traduzir philia por ‘laço social’. Para Aristóteles, a democracia é o melhor garante da philia, porque em democracia realiza-se a máxima igualdade, não é questão de um grupo de pessoas que possuem mais poder que outras; a igualdade é a amizade, segundo um provérbio grego.
Vivemos hoje num mundo em que duas dúzias de pessoas possuem mais do que a metade de toda a humanidade, passamos ao lado de pessoas na rua que são tratadas de uma forma pior do que embrulhos descartáveis… e tudo continua indiferente.
Aristóteles chamou a atenção para algo de muito justo, de muito forte, mostrando que uma comunidade política não pode funcionar bem se não tiver em conta o sentido das proporções, da justa medida e que não há comunidade humana saudável e una sem o sentido da amizade.





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