A vida colectiva segundo Aristóteles
A pleonexia tornou-se nas nossas sociedades abastadas
um modo de vida, uma meta, um objectivo último, quer pessoal, quer colectivo. As
economias vivem obcecadas com o crescimento e cada um de nós vive na procura do
“sempre mais”. Não é o capitalismo
moderno o endeusamento sistémico disto mesmo? Os Gregos antigos fizeram a
experiência desta desmedida errática do desejo que quer sempre mais e a esta
errância desmedida chamaram-lhe pleonexia.
A pleonexia implica uma relação a nós próprios – quero
sempre mais do que aquilo que tenho – mas também aos outros – se quero sempre
mais, arrisco-me a privar os outros do quinhão que lhes é devido. A pleonexia
tem por isso um sentido ético e político. Surge assim a questão democrática e
na democracia a pleonexia é uma ameaça à igualdade democrática, porque a
desmedida cria sempre assimetrias e desigualdades.
Aristóteles pensava a pleonexia como nociva e vã, na
medida em que se queremos sempre mais é porque aquilo que quisemos em primeiro
lugar era inconsistente. Aristóteles ficaria muito surpreendido de ver como é
que as nossas sociedades de consumo fizeram da pleonexia um modo de vida
desejável.
Como desejar o bem, como viver fascinado por aquilo que é
bom? A ética aristotélica das virtudes tem uma dimensão ao mesmo tempo pessoal,
íntima, e colectiva, política. Aristóteles, no seu livro, Ética a Nicómaco
dá-nos uma definição de virtude dizendo que a virtude é uma disposição que tem
que ver com as intenções, quer dizer, com os princípios da acção, com aquilo
que nos leva a agir: é uma disposição que reside na mediação, na medida, no
meio termo. Mas, para Aristóteles não há resposta fora da situação concreta. O
que é interessante nesta formulação é que o princípio geral dá lugar às
circunstâncias particulares. Toda a acção virtuosa é associada à medida. A
acção é sempre uma acção concreta numa situação determinada, pertence ao
domínio do singular, uma pessoa concreta que age num momento determinado, numa
cidade X e numa determinada circunstância. Aristóteles não nos fornece um
catálogo de boas acções que devemos realizar em todas as circunstâncias e de
forma uniforme. Para ele, o meio termo deve ser adaptado a cada situação: um
atleta deve comer mais do que uma criança ou do que alguém que não tem que
despender tanta energia física. A virtude diz respeito aos indivíduos e às
circunstâncias. A ética aristotélica abre, deste modo, possibilidades ao
discernimento, sem prescrever um catálogo de regras que poderíamos aplicar.
Nada em Aristóteles é do tipo prescritivo “apliquem e tornem-se felizes”, não
nos dá nenhuma receita sobre a felicidade. Contudo, as virtudes não devem ser apenas
compreendidas num sentido individual, mas também colectivo, político. É o caso
da amizade, da philia. A philia é o laço social entre duas ou
mais pessoas, que existe no interior da família, das associações, dos grupos e
de toda a comunidade política. É a noção do campo ético à qual Aristóteles
dedica mais páginas e é interessante ver que esta noção vai do mais íntimo e
mais pessoal ao mais político, ao mais exterior, ao mais público, passando por
níveis intermédios. É por isso que podemos traduzir philia por ‘laço
social’. Para Aristóteles, a democracia é o melhor garante da philia,
porque em democracia realiza-se a máxima igualdade, não é questão de um grupo
de pessoas que possuem mais poder que outras; a igualdade é a amizade, segundo
um provérbio grego.
Vivemos hoje num mundo em que duas dúzias de pessoas possuem
mais do que a metade de toda a humanidade, passamos ao lado de pessoas na rua
que são tratadas de uma forma pior do que embrulhos descartáveis… e tudo
continua indiferente.
Aristóteles chamou a atenção para algo de muito justo, de
muito forte, mostrando que uma comunidade política não pode funcionar bem se
não tiver em conta o sentido das proporções, da justa medida e que não há
comunidade humana saudável e una sem o sentido da amizade.
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