A Poesia está na Rua Pintura de Vieira da Silva – 1974 |
Acerca dos amanhãs cantantes do neoliberalismo
Leonardo Costa
Em Portugal, cada vez que se comemora o 25 de Abril de 1974, há quem queira também comemorar, por boas razões (dá-se o benefício da dúvida), o 25 de novembro de 1975. A comemorar o 25 de Novembro de 1975, um contragolpe, considero que dever-se-iam também comemorar o 28 de Setembro de 1974 e o 11 de Março de 1975, outros dois contragolpes. É que foram estes três contragolpes que, no seu conjunto, permitiram a consolidação da democracia portuguesa. Clubes à parte, é capaz de ser mais simples ficarmos pelas comemorações do 25 de abril de 1974, o dia inicial em que a poesia esteve na rua.
Vem o acima a propósito dos amanhãs cantantes do neoliberalismo. Em democracia, os indíviduos são livres de escolherem os amanhãs cantantes que entenderem. Os amanhãs cantantes do comunismo prometiam um sol a brilhar para todos nós. Sol Enganador, as mais das vezes, à luz da experiência histórica. Já os amanhãs cantantes do neoliberalismo (que não é novo nem é liberal) prometem, no presente, uma vida às novas gerações pior do que aquela que as gerações mais velhas tiveram ou têm tido. Ou seja, no presente, o neoliberalismo nem se quer faz o esforço de ser uma utopia. É uma distopia!…
Como afirmava a primeira ministra do Reino Unido nos anos 1980s do século XX, Margaret Thatcher (uma das grandes referências políticas do neoliberalismo), [para o neoliberalismo] não existe sociedade, apenas indivíduos. Indivíduos deixados à sua sorte, acrescento. Indivíduos que não pautam a sua atuação pelo princípio moral da simpatia de Adam Smith. Muito pelo contrário, pautam a sua atuação pelo princípio imoral da ganância, dedicando uma boa parte do seu tempo a extrair rendas à sociedade e a colocar as mesmas em paraísos fiscais.
Desde os anos 1980s do século XX, o neoliberalismo mais do que cumpriu com as suas promessas. Abandonou cada um à sua sorte, promoveu o individualismo metodológico e o princípio imoral da ganância, desregulou os mercados, em particular, os mercados financeiros, e trouxe dinâmicas de crescimento à desigualdade que colocam os países do mundo, também os países da OCDE, a caminho do antigo regime e/ou de sociedades do tipo patrimonial, não meritocráticas. Pelo caminho, gerou a crise financeira global de 2008 e, a seguir, suportou o salvamento incondicional do sistema financeiro desregulado a que deu origem, à conta do erário público. Um sistema financeiro que se posiciona algures entre o casino e o mundo do crime.
A sociedade em que vivemos, construída nos últimos quarenta anos, é um fruto das ideias neoliberais. E se a mesma está mais vulnerável a extremismos, como os da extrema direita nacionalista e xenófoba, às ideias neoliberais o deve. Por outros palavras, foi o neoliberalismo que alimentou a ascensão da extrema direita nacionalista e xenófoba em todo o mundo, ao preferir, nas suas palavras, o mercado imperfeito ao regulador perfeito, ao promover a ganância como uma coisa boa, ao fomentar a crescente desigualdade, ao colocar os indivíduos contra o Estado democrático, ao descredibilizar as instituições democráticas e do Estado, ao emprestar recursos financeiros a estas forças políticas extremistas, nacionalistas e xenófobas, por via dos paraísos fiscais que patrocinou. Foram as ideias neoliberais que colocaram as sociedades democráticas à beira do abismo. Insistir nas mesmas, é dar um passo em frente. É a receita para o desastre civilizacional.
É assim necessário meter o neoliberalismo na gaveta, em nome da preservação de uma sociedade democrática e/ou civilizada. É preciso voltar a colocar as pessoas comuns no centro dos debates e dos projetos políticos. É urgente recuperar e repensar as nossas sociedades, com novas e renovadas ideias políticas (algumas da social democracia, outras da própria doutrina social da Igreja). É fundamental falar com as pessoas comuns e tornar as mesmas agentes políticos ativos do seu destino, individual e coletivo, em vez de meros espectadores das suas vidas, mais ou menos vulneráveis aos caprichos e manipulações de certas elites (políticas e económicas) sem escrúpulos. Territorialmente, é preciso reorganizar o Estado (europeu, nacional, regional e municipal) de maneira a exercer o princípio da subsidariedade até ao limite das possibilidades que o mesmo oferece. Por outras palavras, é necessário aprofundar a democracia, representativa e participativa.
Docente e investigador da Universidade Católica Portuguesa
Porto 26 de Abril de 2022.
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