A
descoberta do planeta Terra
Um dos efeitos positivos da intrusão co Covid-19 foi a
descoberta do planeta Terra por toda a humanidade. Demo-nos forçosamente conta
de que vigora uma íntima conexão entre a vida humana, a natureza e o planeta
Terra. O vírus não caiu do céu. Ele veio como contra-ataque da Terra, tida como
supersistema vivo que sempre se cria, autocria e se organiza para
manter-se vivo e produzir todo tipo de vida existente neste planeta.
Particularmente o quintilhões de quintilhão de micro-organismos que existem nos
solos e mesmo em nosso próprio corpo, verdadeira galáxia (Antônio Nobre)
habitada por um número incalculável de vírus, bactérias, fungos e outros
micro-organismos.
O contexto do vírus, quase nunca citado pelos
analistas das redes de comunicação, é o sistema capitalista anti natureza e
anti vida. Ele fez com que o vírus perdesse seu habitat e avançasse sobre nós.
Esse sistema de produção e de consumo impiedosamente assalta a natureza,
depreda seus bens e serviços e destrói o equilíbrio da Terra.
A Terra responde com o aquecimento global, erosão da
biodiversidade, a escassez de água potável e outros eventos extremos. Todos de
alguma forma participamos deste ecocídio, mas os atores principais – é forçoso
dizê-lo e denunciá-lo – são o sistema do capital e a cultura do consumo
desbragado, especialmente os milionários com seu consumo suntuoso. Portanto,
tiremos a culpa de cima da humanidade pobre que minimamente colabora e é mais
uma vítima do referido sistema.
O ser humano, sempre curioso por saber mais e mais,
fez descobertas sem número: de novas terras como as Américas, de povos,
culturas, todo o tipo de aparatos desde o arado até o robot, o sub-mundo da
matéria, os átomos, toquarks e o campo Higgs, o íntimo da vida, o código genético.
E não param as descobertas.
Mas quem descobriu a
Terra? Foi preciso que enviássemos astronautas para fora da Terra ou ir
até à Lua para de lá ver a Terra de fora da Terra e finalmente,
maravilhados, descobrir a Terra, nossa Casa Comum. Frank White escreveu
um livro The Overview Effect no qual recolhe os testemunhos
dos astronautas emocionados até às lágrimas.
O astronauta Russel Scheickhart nos revela:” Vista a
partir de fora, a Terra parece tão pequena e frágil, uma pequenina mancha
preciosa que você pode cobrir com seu polegar. Tudo o que significa alguma
coisa para você, toda a história, arte, o nascimento e a morte, o amor, a
alegria e as lágrimas, tudo está naquele ponto azul e branco que você
pode cobrir com seu polegar. E a partir daquela perspetiva você entende
que tudo mudou… que a relação não é mais a mesma como fora antes”
(White,p.200).
Eugene Cernan confessou: “Eu fui o último homem a
pisar na Lua em dezembro de 1972. Da superfície lunar olhava com um tremor
reverencial para a Terra, num transfundo muito escuro. O que eu via era
demasiadamente belo para ser apreendido, demasiadamente ordenado e cheio de
propósito para ser um mero acidente cósmico. A gente se sentira interiormente
obrigado a louvar a Deus. Deus deve existir por ter criado aquilo que eu tinha
o privilégio de contemplar. Espontaneamente surgem a veneração e a ação de
graças. É para isso que existe o universo” (White p. 205).
De forma acertada comenta Joseph P. Allen: “Discutiu-se
muito os prós e contras das viagens à Lua. Não ouvi ninguém argumentar que
devíamos ir à Lua para podermos ver de lá a Terra de fora da Terra. Depois de
tudo, esta deve ter sido seguramente a verdadeira razão de termos ido
à Lua (White, p. 233).
Efetivamente esta é a
razão secreta e inconsciente das viagens siderais: descobri a Terra, o terceiro
planeta de um sol de quinta categoria, dentro de nossa galáxia. O sistema solar
no qual está a nossa Terra dista 27 mil anos-luz do centro da galáxia, a Via
Láctea, na face interna do braço espiral de Orion. Esse sistema com a Terra ao
redor é um quase nada e nós une quantité négligeable, perto do zero. E, contudo, é daqui que a
Terra através de nós contempla o inteiro universo, do qual é parte. É através
de nossa inteligência que pertence ao próprio universo que ele se pensa a si
mesmo. O que conta em nós não é a quantidade, mas
a qualidade, única, capaz de pensar, amar o universo e
venerar Aquele que permanentemente o sustenta.
Não apenas descobrimos
a Terra. Descobrimos que somos Terra, Aquela porção da Terra que pensa, ama e
cuida. Por isso ser humano (homo em latim)
vem de húmus, terra fértil ou Adão que procede de Adamah, terra fecunda.
A partir de agora nunca sairá de nossa consciência de
que temos descoberto, em fim, a Terra, nosso lar cósmico e que somos a parte
consciente, inteligente e amorosa dela. Porque somos portadores destas
qualidades, nossa missão é cuidar dela como Casa Comum e de todos os demais
seres, que nela habitam e que têm a mesma origem que nós, portanto, são nossos
parentes.
Se assim é, por que a temos maltratado, superexplorado
e estamos destruindo as bases que sustentam nossa vida? Se há uma lição que a
Mãe Terra através do Covid-19 nos quer transmitir é seguramente esta:
“Mudem vossa relação para com a natureza e para comigo
se quiserdes que eu continue a vos oferecer tudo o que precisais para viver na
sobriedade compartida, na fraternidade e sororidade universais e no cuidado
amoroso para com todos vossos irmãos e irmãs da grande comunidade de vida,
também meus filhos e filhas bem-amados. Em tempos muito antigos eu vos
propus “a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhei a vida para que
vivais com toda a vossa descendência. Essa promessa eu sempre manterei” (Deut
30,28).
Escolhamos a vida. É o apelo da Mãe Terra. É o
desígnio do Criador.
Leonardo Boff é
ecoteólogo e escreveu O Covid-19: o contra-ataque da
Mãe Terra contra a humanidade, Vozes,2ª.edição 2021.
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