Sunday, 10 May 2020


John Dewey – Renovar a democracia




John Dewey filósofo americano do século XX (1859-1952) pertenceu à escola do pragmatismo na mesma linha de Charles Sanders Pierce e William James. O pragmatismo interessa-se pelo real não como uma coisa dada, mas como uma coisa sempre a fazer-se, como um “work in progress”. O pragmatismo de Dewey dirige-se sobretudo ao funcionamento da vida pública e aos problemas das nossas democracias. No centro do seu pensamento  está a noção de experimentação.  A experiência tal como Dewey a concebe supõe duas entidades:
1.     Um conjunto de indivíduos socializados;
2.     O contexto no qual vivem enquanto passivos e activos.
Na sua obra, Reconstrução em Filosofia (1919) explica o seguinte: “(…) existe uma conexão estreita entre fazer, sofrer e padecer, e essa conexão chama-se experiência.” O indivíduo não se contenta em receber as coisas de uma forma passiva para de seguida as tratar activamente. Ele vive numa relação permanentemente interactiva, activa e passiva com o meio no qual vive, e esta relação modifica também o ambiente no qual está inserido. Esta ideia de participação é crucial no seu pensamento político.
Dewey pensa a vida política enquanto procedimento experimental com o objectivo de resolver problemas. O termo ‘problema’ implica conflito, apela a uma resolução que nunca é simples, mas é sempre feita de uma multiplicidade de fases complexas encadeadas umas nas outras – umas vezes activas, outras passivas. Dewey convida a pensar a partir daquilo que nos desinstala e nesse sentido organizamo-nos politicamente e colectivamente a partir daquilo que nos causa problemas e nos faz sofrer: eis a sua concepção de democracia. Esta concepção é bem diferente da do seu contemporâneo, Walter Lippman, (1889-1974) um neo-liberal ao qual Dewey se opõe. Lippman tem uma concepção do individuo como passivo e atomizado. É por isso que para ele a mão de ferro do Estado e das políticas sociais, educativas e sanitárias pensadas por especialistas são importantes.
Dewey, ao contrário de Lippman, tem confiança na inteligência colectiva, desde que aqueles que tomem conta dos problemas e põe em prática a experimentação são os mesmos que serão afectados diretamente por pôr em prática as soluções. É necessário que aqueles que conduzem a experiência sejam afectados na sua ‘carne’ por aquilo que colocam em prática e, para isso, é necessário que conduzam todas as fases da experiência. O que vemos hoje nas nossas democracias? Vemos que a maior parte das experimentações políticas são falsas experimentações. Não são experimentações no sentido pragmático do termo, mas pontos rígidos de uma ‘agenda’ criada por especialistas e por leaders. Estas experimentações são pensadas de um modo puramente teórico, impondo e testando diferentes políticas, sem que aqueles que as concebem experimentem as consequências, sem serem afectados – por exemplo, pretendem reformar os transportes públicos, mas não andam de transportes públicos. É uma experiência totalmente desarticulada, por um lado temos os leaders, os especialistas que activamente concebem determinadas políticas e por outro lado, passivamente, temos as ‘cobaias’ a quem essas políticas se destinam, mas não há comunicação entre as partes. Para Dewey, isto leva à destruição de uma verdadeira experimentação social.  Um fazer desconectado e um sofrer desconectado não são, nem um nem outro, uma experiência.
A proposta da democracia participativa de Dewey não se restringe à falsa participação que é hoje oferecida nas nossas democracias e que se resume na maior parte das vezes a uma espécie de ‘fábrica’ do consentimento e da propaganda. Fazem-se reuniões, a partir de uma agenda previamente fabricada e fica-se por aí. As reuniões servem apenas para dizer: ‘ouvimos as vossas sugestões’. Para Dewey a participação passa ao mesmo tempo pela inteligência colectiva socialmente organizada e pelos afectos, o que implica uma subversão radical das hierarquias políticas. Será a democracia participativa uma utopia? Se pensarmos a vida política por um lado, e a nossa vida quotidiana por outro, isto será sempre uma utopia. Mas se ao invés a política e a democracia estiverem de mãos dadas com o nosso quotidiano, nas salas de aula, nos bairros, nas colectividades… então será algo que diz respeito a toda a nossa vida colectiva e não apenas aos leaders e aos especialistas. A participação na vida política não é uma perda de tempo em relação à nossa vida privada, mas estão completamente imbrincadas.
Dewey lastimava que tivéssemos sucumbido ao excesso extremamente perigoso de uma democracia vazia do seu verdadeiro sentido político, educativo, experimental, para se reduzir a um artefacto de eleições intermitentes que só produzem apatia e abstenção, e que acabam por destruir toda a vida pública e política. Dewey convida a imaginar outras formas de eleger os nossos representantes, que nada tem que ver com a competição eleitoral celebrada pelos neoliberais, à Lippman. É mais difícil e exigente, mas nunca ninguém disse que a democracia era um caminho fácil. Esperemos que depois desta pandemia as democracias sejam capazes colectivamente de inventar caminhos fecundos para a nossa vida colectiva.


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