John
Dewey – Renovar a democracia
John Dewey filósofo
americano do século XX (1859-1952) pertenceu à escola do pragmatismo na mesma
linha de Charles Sanders Pierce e William James. O pragmatismo interessa-se
pelo real não como uma coisa dada, mas como uma coisa sempre a fazer-se, como
um “work in progress”. O pragmatismo de Dewey dirige-se sobretudo ao funcionamento
da vida pública e aos problemas das nossas democracias. No centro do seu
pensamento está a noção de
experimentação. A experiência tal como
Dewey a concebe supõe duas entidades:
1.
Um conjunto de indivíduos socializados;
2.
O contexto no qual vivem enquanto passivos
e activos.
Na sua obra, Reconstrução
em Filosofia (1919) explica o seguinte: “(…) existe uma conexão estreita
entre fazer, sofrer e padecer, e essa conexão chama-se experiência.” O
indivíduo não se contenta em receber as coisas de uma forma passiva para de
seguida as tratar activamente. Ele vive numa relação permanentemente
interactiva, activa e passiva com o meio no qual vive, e esta relação modifica
também o ambiente no qual está inserido. Esta ideia de participação é crucial
no seu pensamento político.
Dewey pensa a vida
política enquanto procedimento experimental com o objectivo de resolver
problemas. O termo ‘problema’ implica conflito, apela a uma resolução que nunca
é simples, mas é sempre feita de uma multiplicidade de fases complexas
encadeadas umas nas outras – umas vezes activas, outras passivas. Dewey convida
a pensar a partir daquilo que nos desinstala e nesse sentido organizamo-nos
politicamente e colectivamente a partir daquilo que nos causa problemas e nos
faz sofrer: eis a sua concepção de democracia. Esta concepção é bem diferente
da do seu contemporâneo, Walter Lippman, (1889-1974) um neo-liberal ao qual
Dewey se opõe. Lippman tem uma concepção do individuo como passivo e atomizado.
É por isso que para ele a mão de ferro do Estado e das políticas sociais, educativas
e sanitárias pensadas por especialistas são importantes.
Dewey, ao contrário de
Lippman, tem confiança na inteligência colectiva, desde que aqueles que tomem
conta dos problemas e põe em prática a experimentação são os mesmos que serão
afectados diretamente por pôr em prática as soluções. É necessário que aqueles
que conduzem a experiência sejam afectados na sua ‘carne’ por aquilo que
colocam em prática e, para isso, é necessário que conduzam todas as fases da
experiência. O que vemos hoje nas nossas democracias? Vemos que a maior parte
das experimentações políticas são falsas experimentações. Não são
experimentações no sentido pragmático do termo, mas pontos rígidos de uma
‘agenda’ criada por especialistas e por leaders. Estas experimentações são
pensadas de um modo puramente teórico, impondo e testando diferentes políticas,
sem que aqueles que as concebem experimentem as consequências, sem serem
afectados – por exemplo, pretendem reformar os transportes públicos, mas não
andam de transportes públicos. É uma experiência totalmente desarticulada, por
um lado temos os leaders, os especialistas que activamente concebem determinadas
políticas e por outro lado, passivamente, temos as ‘cobaias’ a quem essas
políticas se destinam, mas não há comunicação entre as partes. Para Dewey, isto
leva à destruição de uma verdadeira experimentação social. Um fazer desconectado e um sofrer
desconectado não são, nem um nem outro, uma experiência.
A proposta da democracia
participativa de Dewey não se restringe à falsa participação que é hoje
oferecida nas nossas democracias e que se resume na maior parte das vezes a uma
espécie de ‘fábrica’ do consentimento e da propaganda. Fazem-se reuniões, a partir
de uma agenda previamente fabricada e fica-se por aí. As reuniões servem apenas
para dizer: ‘ouvimos as vossas sugestões’. Para Dewey a participação passa ao
mesmo tempo pela inteligência colectiva socialmente organizada e pelos afectos,
o que implica uma subversão radical das hierarquias políticas. Será a
democracia participativa uma utopia? Se pensarmos a vida política por um lado,
e a nossa vida quotidiana por outro, isto será sempre uma utopia. Mas se ao
invés a política e a democracia estiverem de mãos dadas com o nosso quotidiano,
nas salas de aula, nos bairros, nas colectividades… então será algo que diz
respeito a toda a nossa vida colectiva e não apenas aos leaders e aos
especialistas. A participação na vida política não é uma perda de tempo em
relação à nossa vida privada, mas estão completamente imbrincadas.
Dewey lastimava que
tivéssemos sucumbido ao excesso extremamente perigoso de uma democracia vazia
do seu verdadeiro sentido político, educativo, experimental, para se reduzir a
um artefacto de eleições intermitentes que só produzem apatia e abstenção, e
que acabam por destruir toda a vida pública e política. Dewey convida a
imaginar outras formas de eleger os nossos representantes, que nada tem que ver
com a competição eleitoral celebrada pelos neoliberais, à Lippman. É mais
difícil e exigente, mas nunca ninguém disse que a democracia era um caminho
fácil. Esperemos que depois desta pandemia as democracias sejam capazes
colectivamente de inventar caminhos fecundos para a nossa vida colectiva.
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