A crise na
Europa: ignorância ou propósito?
A
Europa está em crise há quase uma década. A crise é feita de várias crises que
se alimentam umas às outras: crise financeira, crise económica, crise de
desequilíbrios externos na Zona Euro, crise das dívidas públicas, crise da moeda
única, crise dos refugiados, crise de segurança, crise de valores, crise
social, crise política. Na base da crise estiveram três décadas de globalização
financeira, desregulação dos mercados e aumento da desigualdade nos países mais
desenvolvidos. Estas décadas foram racionalizadas por uma ideologia neoliberal que
não é nova nem é liberal. Assim o demonstra a História, europeia e mundial, do
período entre as duas grandes guerras mundiais do século XX.
A
estratégia das Instituições Europeias (IE) para resolver a crise financeira na
Europa consistiu em salvar incondicionalmente os bancos, converter dívida
privada em dívida pública e apostar em cortes na despesa pública e em cortes
salariais como fatores de redenção moral e competitividade económica externa. A
estratégia foi suportada pelas IE como sendo a única possível: austeridade,
austeridade e mais austeridade. A mesma foi surda em relação aos avisos do Fundo
Monetário Internacional (FMI) no que diz respeito aos multiplicadores fiscais e
à consolidação orçamental, num contexto de deflação e de taxas de juro muito
baixas. A estratégia falhou em toda a linha e, por isso, quase uma década
depois, a Europa continua em crise. A perpetuação da crise tem custos brutais,
em particular para as gerações mais novas de europeus sem emprego.
Três
razões podem estar na base da perpetuação da crise na Europa: i) Não existirem
alternativas à estratégia prosseguida
pelas IE, no quadro atual das regras e arquitetura institucional da União
Europeia (UE); (ii) Existirem alternativas, no quadro atual das regras e da
arquitetura institucional da UE, que as IE desconhecem; ou iii) as IE não quererem
resolver a crise.
Em
relação a i), Stuart Holland afirma no seu último livro de 2016 - Beyond Austerity: Democratic Alternatives
for Europe – que, em 1997, os governos europeus deram ao Banco Europeu de
Investimento (BEI) um mandato na coesão e na convergência, permitindo o
financiamento pelo BEI de investimento em saúde, educação, renovação urbana e
proteção ambiental, áreas principais da despesa pública nacional dos Estados
Membros da UE, sendo que os empréstimos do BEI não contam para as dívidas públicas
dos Estados Membros.
O
parágrafo acima demonstra que existia pelo menos uma alternativa à austeridade,
num contexto de deflação e de taxas de juro muito baixas: os empréstimos do
BEI. A referida alternativa teria permitido garantir o financiamento à economia
real durante a crise, evitando o estrangulamento financeiro e a falência de Pequenas
e Médias Empresas (PMEs) competitivas, em condições normais, e o desemprego.
Mais, estes empréstimos poderiam também ter aliviado a necessidade de
investimento dos Estados Membros na saúde, na educação, na renovação urbana e na
proteção ambiental, durante a crise, o que teria facilitado a consolidação
orçamental, sem consequências negativas sobre as dívidas públicas dos Estados
Membros, muito pelo contrário. Tudo isto no quadro atual das regras e da
arquitetura institucional da UE. A explicação ii) para a perpetuação da crise é
que as IE não conheciam esta alternativa, isto é, não conheciam as regras da
presente UE. A ser verdade, o facto mostra ignorância das regras por parte das IE,
sendo que essa ignorância pode estar na base da postura, demasiadas vezes, arrogante
das mesmas em relação aos Estados Membros em dificuldades: a arrogância é filha
da ignorância e do preconceito.
Assumindo
que as IE conheciam a alternativa em i), possível no quadro atual das regras e
da arquitetura institucional da UE, isto é, que as IE conhecem as regras da
presente UE, então resta uma terceira explicação para a perpetuação da crise: iii)
as IE não quererem resolver a crise. Aqui o problema é um de propósito. Por
exemplo, as IE usarem deliberadamente a crise para acabar com o Modelo Social
Europeu; ou como ajuste de contas com os países da coesão, por causa dos fundos
da coesão; ou para pôr em causa o modo de vida dos países do sul da Europa, que
invejam; ou por outras razões obscuras. Tudo isto com o discurso dos amanhãs
cantantes neoliberais, em que poucos acreditam, em benefício de 0,1% da
população, entregando, como no passado, as classes médias e a população em
geral às derivas de nacionalismos populistas e xenófobos.
Leonardo Costa
Católica Porto Business School
12 de Maio de 2017
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