Monday, 15 May 2017

A crise na Europa: ignorância ou propósito?
A Europa está em crise há quase uma década. A crise é feita de várias crises que se alimentam umas às outras: crise financeira, crise económica, crise de desequilíbrios externos na Zona Euro, crise das dívidas públicas, crise da moeda única, crise dos refugiados, crise de segurança, crise de valores, crise social, crise política. Na base da crise estiveram três décadas de globalização financeira, desregulação dos mercados e aumento da desigualdade nos países mais desenvolvidos. Estas décadas foram racionalizadas por uma ideologia neoliberal que não é nova nem é liberal. Assim o demonstra a História, europeia e mundial, do período entre as duas grandes guerras mundiais do século XX.
A estratégia das Instituições Europeias (IE) para resolver a crise financeira na Europa consistiu em salvar incondicionalmente os bancos, converter dívida privada em dívida pública e apostar em cortes na despesa pública e em cortes salariais como fatores de redenção moral e competitividade económica externa. A estratégia foi suportada pelas IE como sendo a única possível: austeridade, austeridade e mais austeridade. A mesma foi surda em relação aos avisos do Fundo Monetário Internacional (FMI) no que diz respeito aos multiplicadores fiscais e à consolidação orçamental, num contexto de deflação e de taxas de juro muito baixas. A estratégia falhou em toda a linha e, por isso, quase uma década depois, a Europa continua em crise. A perpetuação da crise tem custos brutais, em particular para as gerações mais novas de europeus sem emprego.
Três razões podem estar na base da perpetuação da crise na Europa: i) Não existirem alternativas  à estratégia prosseguida pelas IE, no quadro atual das regras e arquitetura institucional da União Europeia (UE); (ii) Existirem alternativas, no quadro atual das regras e da arquitetura institucional da UE, que as IE desconhecem; ou iii) as IE não quererem resolver a crise.
Em relação a i), Stuart Holland afirma no seu último livro de 2016 - Beyond Austerity: Democratic Alternatives for Europe – que, em 1997, os governos europeus deram ao Banco Europeu de Investimento (BEI) um mandato na coesão e na convergência, permitindo o financiamento pelo BEI de investimento em saúde, educação, renovação urbana e proteção ambiental, áreas principais da despesa pública nacional dos Estados Membros da UE, sendo que os empréstimos do BEI não contam para as dívidas públicas dos Estados Membros.
O parágrafo acima demonstra que existia pelo menos uma alternativa à austeridade, num contexto de deflação e de taxas de juro muito baixas: os empréstimos do BEI. A referida alternativa teria permitido garantir o financiamento à economia real durante a crise, evitando o estrangulamento financeiro e a falência de Pequenas e Médias Empresas (PMEs) competitivas, em condições normais, e o desemprego. Mais, estes empréstimos poderiam também ter aliviado a necessidade de investimento dos Estados Membros na saúde, na educação, na renovação urbana e na proteção ambiental, durante a crise, o que teria facilitado a consolidação orçamental, sem consequências negativas sobre as dívidas públicas dos Estados Membros, muito pelo contrário. Tudo isto no quadro atual das regras e da arquitetura institucional da UE. A explicação ii) para a perpetuação da crise é que as IE não conheciam esta alternativa, isto é, não conheciam as regras da presente UE. A ser verdade, o facto mostra ignorância das regras por parte das IE, sendo que essa ignorância pode estar na base da postura, demasiadas vezes, arrogante das mesmas em relação aos Estados Membros em dificuldades: a arrogância é filha da ignorância e do preconceito.
Assumindo que as IE conheciam a alternativa em i), possível no quadro atual das regras e da arquitetura institucional da UE, isto é, que as IE conhecem as regras da presente UE, então resta uma terceira explicação para a perpetuação da crise: iii) as IE não quererem resolver a crise. Aqui o problema é um de propósito. Por exemplo, as IE usarem deliberadamente a crise para acabar com o Modelo Social Europeu; ou como ajuste de contas com os países da coesão, por causa dos fundos da coesão; ou para pôr em causa o modo de vida dos países do sul da Europa, que invejam; ou por outras razões obscuras. Tudo isto com o discurso dos amanhãs cantantes neoliberais, em que poucos acreditam, em benefício de 0,1% da população, entregando, como no passado, as classes médias e a população em geral às derivas de nacionalismos populistas e xenófobos.
 
Leonardo Costa
Católica Porto Business School
12 de Maio de 2017
 

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